diário de bordo (16/04/2024)

16 de abril de 2024.

o dia começou cedo.

minha mãe interrompe o silêncio matinal: você tem certeza que vai fazer isso?

mal sabe ela que essa pergunta se aplica a outra decisão tão crucial quanto.

sim.

convenientemente minha análise mudou de horário, também já não atendo mais nas terças às 9h. tenho funcionado na base de ultimatos. ou quando estou prestes a explodir. de ontem não passaria, hoje também. não aceito postergar mais as coisas.

de hoje não passaria, mesmo quando a banca de jornal me cobrou 12 reais (!) para imprimir 4 páginas. mesmo quando a dor perfurante que sinto no pulmão sempre que respiro não me deixa esquecer que tem algo de errado. não sei se estou fazendo sintoma, não sei o que isso quer dizer.

me retirei do divã tem alguns meses. minha analista é insistente, não quer permitir que eu pare com o tratamento agora. eu também não quero parar, mas dinheiro é sempre um problema. em algum pedaço daqueles 50 minutos eu retomo minha adolescência apática, pouco rebelde, falo de ter me virado de um jeito capenga. ela indaga. a depressão tem sido tema recorrente. me faltava energia. não conseguia sair daquele lugar. falo sobre ter muito medo de cair nessa situação de novo. falo sobre como hoje eu tento fazer mais, não por mim, mas por aquela adolescente perdida. começo a chorar mas digo que está tudo bem. quando perguntado sobre quando a depressão começou, faço o paralelo imediato culpa -> recriminação. culpa de quê? eu era uma criança e sentia que tinha responsabilidades de um adulto. de repente, eu tinha que salvar minha mãe de um erro. bem, eu achava que tinha.

nesse momento, minha analista sem nenhum pudor se levanta da poltrona, pega seu caderninho de capa azul e começa a anotar na minha frente o que acabo de verbalizar. rimos juntos porque fazer análise é isso: recontar essas mesmas histórias de novo e de novo, até que elas sejam diferentes. até que a conclusão extraída delas seja diferente.

o que está acontecendo é que eu vou sair de casa em breve. reconheço que me acomodei com o tratamento que recebo. pondero se essa não é uma maneira de reinvindicar a infância que eu não tive, me permitindo ser tratado constante e sufocadamente como uma criança. ao mesmo tempo sou incumbido com obrigações e deveres que aparentemente eu posso resolver. vou descobrir o que ganho e perco nessa decisão tão importante. aceitar que eu posso fazer falta. e não é o fim do mundo.

o que você gostaria de fazer, que nunca fez? eu, por exemplo, morro de medo de montanha russa e acho que jamais vou andar em uma. ri, também não me vejo numa montanha russa. mas falei do alto da boa vista, de como aquele lugar é a minha cara. frio, nublado, cinza porém verde. disse que começaria com algo simples: caminhar no bosque e encarar o desconhecido. terminamos a sessão assim.

e eu realmente comecei encarando o desconhecido. sabe que essa foi a primeira vez na vida que pisei na fiocruz? meu pulmão por pouco não me deixava falar, faltava ar para as palavras saírem com clareza. ao mesmo tempo que não quero me perder, fico encontrando beleza na natureza o tempo inteiro. fui sozinho, mas não me sentia só. e uma tristeza ainda me habita — e suponho que sempre habitará — , mas tem uma espécie de expectativa e esperança pelo futuro aqui dentro também. hoje foi a primeira vez que assinei um documento com o nome que eu escolhi. estou fazendo o que posso pela manutenção dessa vida, é o que devo à criança e a adolescente que não pude e não consegui ser.

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